domingo, 9 de setembro de 2007

Mitologia

Na época em que a mitologia predominava, a história dos deuses refl etia
a história da humanidade. Alguns eram cruéis, gananciosos e malignos —
deuses que deveriam de fato ser temidos. Outros eram protetores, generosos
e dignos de confi ança, cobrindo de recompensas os seus devotos. E outros
deuses eram menos previsíveis, uma combinação instável de forças opostas.
Os deuses dessa época não eram infalíveis — eles tinham forças e
fraquezas, exatamente como os mortais que os veneravam. E como todos os
homens e todas as civilizações, eles nasceram e morreram.
Mas as suas lendas permanecem. Ainda que nas eras seguintes tenha
havido muitas contradições e incoerências, as lendas abrem uma janela
para um passado que merece ser contemplado.
Os deuses egípcios
Antes que existisse o ar, a terra ou mesmo o céu, havia somente água,
turbulenta e borbulhante, da qual surgiu Rá, o primeiro deus.
Rá transformou-se em um novo elemento no cosmo: o sol. Mas a carência
de outra vida logo lhe pesou e, em comunhão com a sua própria sombra,
gerou uma fi lha, Tefnut. Ela também era um novo elemento: a umidade.
E Shu, o outro fi lho de Rá, tornou-se o ar. Por sua vez, eles também
tiveram seus próprios descendentes, Geb e Nut (a terra e o céu). Logo
foi estabelecida toda uma ordem cósmica. Contudo, essa ordem veio
acompanhada de desafi os não previstos.
Assim, Rá viu-se forçado a travar batalhas diárias com a serpente Apep pelo
controle da atmosfera. Contando com a ajuda da esposa e fi lha Bast (deusa
dos gatos e da fertilidade), Rá lograva êxito na maioria das vezes. Mas nos
dias em que Apep vencia, havia sempre tempestades e mau tempo.
Esse era tão somente o começo daquilo que Rá teria de enfrentar. Em certa
ocasião, as frustrações de dominar uma população humana que se dava a
queixas e rebeliões levaram Rá, em um acesso de ira, a arrancar um dos seus
olhos e atirá-lo à terra. O olho transformou na deusa da vingança, chamada
Sekhmet, uma força tão destrutiva contra a humanidade que Rá, cheio de
remorso, teve de chamá-la de volta usando um estratagema. Rá ordenou aos
seus vassalos que produzissem milhares de barris de cerveja. A cerveja seria
misturada com suco de romã para parecer sangue das vítimas humanas de
Sekhmet, sendo usada para inundar o campo ao redor de sua morada terrena.
O intento teve êxito. Quando Sekhmet emergiu novamente para terminar
de dizimar a humanidade, ela viu seu refl exo no lago vermelho repulsivo,
enamorou-se dele e bebeu a mistura, caindo no sono, permanecendo
inofensiva. O resultado foi tão bom que posteriormente ela desposou Ptah,
o deus absoluto da criação. E mais tarde, ironicamente, ela se transformou
em Hator, deusa do amor e da celebração.
A responsabilidade por todo o cosmo começava a minar a vitalidade de Rá.
Como envelhecia, Rá buscou um substituto para suas obrigações de zelar
pela terra. O substituto viria a ser seu neto, Osíris.
Osíris, assim como Ísis, Set e Neftis, veio ao mundo em decorrência da
união de Geb e Nut. Contudo, quando Rá passou o domínio do mundo às
mãos de Osíris, ocorreu a primeira rivalidade entre irmãos na história do
cosmo. E que rivalidade!
Osíris havia sido um ditador benevolente — sob seu comando os egípcios
tornaram-se um povo civilizado. Mas seu irmão Set (o deus do caos e das
tempestades) estava enciumado pelo presente concedido a Osíris e o matou.
Ele construiu um baú primoroso, ofereceu uma festa e disse aos seus
fi lhos que aquele que coubesse no baú poderia tê-lo para si. Mas ele havia
construído o belo baú tendo em mente apenas Osíris. Quando Osíris entrou
no baú, Set o selou e seus comparsas o deitaram no Nilo, na esperança de
que nunca mais tornariam a vê-lo.
Assim, Osíris fora o primeiro deus da história a morrer e tornou-se o
primeiro deus do mundo inferior. Quando Neftis contou à sua irmã Ísis
sobre o assassínio, Ísis mergulhou em profunda tristeza, pois Osíris era
não só seu marido como também seu irmão. Ela encontrou o corpo e
conseguiu ressuscitar Osíris e juntos tiveram um fi lho chamado Hórus. Mas
Set não tardou em descobrir isso e, colérico, retalhou Osíris em 14 pedaços,
espalhando as partes pelo Egito de modo que nem Ísis poderia juntá-los.
Anúbis, o inventor do embalsamamento e fi lho de Osíris, realizou o funeral
na grande pirâmide.
Set passara a ser então o senhor do mundo e em virtude de sua inclinação
ao caos e à violência, parecia que todas as boas obras de Osíris seriam
desfeitas em breve. Comentava-se até mesmo que Set tramava usurpar o
lugar de seu pai Rá.
Mitologia
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Em conseqüência disso, Rá e Hórus convocaram um grande exército
para tomar o poderio de Set. Eles convocaram Tot, deus da sabedoria e
da verdade, que transformou Hórus em um disco solar com um calor tão
intenso que confundiu as tropas de Set, que se destruíram mutuamente.
Mas o próprio Set não podia ser encontrado em lugar nenhum. Ele
escondera-se a uma grande distância, onde estaria livre para criar outra
força para derrotar Rá e Hórus.
Mas não chegara a realizar seu intento. E, com a posterior derrota, Hórus
retalhou Set do mesmo modo como havia sido feito com seu pai. Assim,
Hórus passou a comandar o mundo e abriu o precedente para os faraós que
o sucederam.
Os deuses gregos
Gaia, ou a terra, era a primeira divindade da ordem cósmica grega, nascida
do caos que reinava antes da vida. Ela deu à luz Urano (os céus) e juntos
conceberam gigantes, cíclopes e titãs. Urano não estava satisfeito com seus
rebentos monstruosos, trancafi ando-os todos nas profundezas da terra.
E, por causa disso, Gaia fi cara desgostosa com Urano. Ela convocou o titã
Cronos para atacar seu pai ingrato e tomar seu poder. Mas Cronos era um
pai ainda menos tolerante que Urano e logo lhe foram infl igidos os mesmos
infortúnios pelo seu próprio fi lho Zeus. E com a ascensão de Zeus ao poder,
inicia-se a era grega dos Olímpicos.
Por controlar todo o cosmo, Zeus decidiu dividir o espólio entre seus irmãos
Posêidon e Hades. Decidiu-se que Zeus manteria seu título de soberano dos
deuses, ao passo que Posêidon tomaria posse dos mares. A Hades coube
o controle do mundo inferior, o que o fez sentir-se preterido, mas apesar
disso ali reinou, como uma divindade colérica e ciumenta.
Enquanto isso, o casamento de Zeus com Hera (a deusa do casamento e
da comunidade) não ia bem. As várias ocupações dele a deixavam irada e
enciumada como Hades, mas ela nunca enfrentou Zeus abertamente e, em
vez disso, lançou suas frustrações contra outros inimigos.
Ainda assim o casal teve vários fi lhos. Zeus mostrava abertamente seu
favoritismo por Atena, que se tornou a deusa da sabedoria e da guerra.
Ao contrário de seu irmão Ares (o deus da guerra), Atena era sensata e
benevolente, escolhendo suas batalhas para promover a civilização e o
progresso. Para Ares, era irrelevante qual dos lados vencia uma batalha;
ele queria somente derramamento intenso de sangue para satisfazer a sua
natureza violenta. Ares chegou até mesmo a levar consigo para a batalha os
seus fi lhos - Fobos (medo), Deimos (terror) e Ênio (horror).
Mas Ares era covarde e fugia assim que as coisas se voltavam contra ele,
chegando até mesmo a ser zombado publicamente por seu próprio irmão
Hefesto.
Hefesto (deus da forja e dos ferreiros) surpreendeu Ares em um
envolvimento amoroso com sua esposa. Mesmo tendo a fama de ser o mais
feio entre as divindades, Hefesto conseguiu desposar Afrodite, a deusa
absoluta do amor e da beleza. Mas ela raramente correspondia ao amor
dele, preferindo o deus da guerra Ares a ele.
Entretanto, Zeus continuava a ter seus relacionamentos extraconjugais, de
muitos dos quais nasceram fi lhos - os mais famosos foram Ártemis (deusa
do arco e fl echa) e Apolo. Deus da sabedoria, da verdade, da música, do sol
e, entre outras coisas, da cura, Apolo acabou por ser um dos deuses mais
respeitados do Olimpo. Um ato de benevolência durante a infância abriu
o precedente para Apolo: uma serpente gigante chamada Píton guardava
tenazmente o Oráculo de Delfos (um poço do qual brotavam profecias).
A serpente arrasou a região rural vizinha, envenenando rios e poços,
destruindo colheitas e demolindo aldeias inteiras. O jovem Apolo derrotou
Píton e libertou o Oráculo.
Apesar de sua natureza bondosa, Apolo nem sempre era tratado com
respeito, especialmente pelo seu meio-irmão Hermes. Como era veloz por
causa das sandálias aladas, Hermes era o mensageiro de todos os deuses
do Olimpo. Mas também era malvado — e mesmo quando ainda estava
envolto nos cueiros, roubou gado de Apolo. Apolo ordenou o retorno das
reses, mas acabou por cedê-las a Hermes em virtude da destreza daquele
com a lira. Assim, Hermes tornou-se o deus da música.
Zeus não restringia seus casos extraconjugais às deusas - também o
atraíam as mulheres mortais. Uma dessas mortais era Semele, a quem Zeus
“visitou” durante a noite como uma presença divina. Semele não sabia
quem era o pai, mas estava feliz em ter sido possuída por uma divindade e
de ter dado a luz a Dionísio, deus do vinho e da celebração.
Naturalmente, isso incomodou Hera, cujos ciúmes pelas relações
extraconjugais de Zeus nunca haviam diminuído. Ela convenceu Semele
a revelar quem era o pai, mesmo sabendo que nenhuma mulher mortal
poderia sobreviver a um encontro com Zeus em que o visse como pessoa, e
assim Semele morreu.
Mas Hera ainda não estava satisfeita e assassinou também Dionísio. Rea o
ressuscitou e Zeus foi forçado a encolerizar Hera ainda mais estendendo a
proteção divina de Dionísio.
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Os deuses nórdicos
No começo, conta a lenda nórdica, havia somente fogo e gelo. Lentamente
essas duas forças criaram dois seres: Ymir, o gigante, e Audhumla, a
vaca. Audhumla sobreviveu lambendo o gelo salgado, ao passo que Ymir
sobreviveu do leite de Audhumla. Posteriormente, o lamber incessante da
vaca deu origem a uma criatura do gelo, o deus Bor. Bor viria a ser o pai de
várias outras divindades, mas nenhuma delas mais importante que Odin.
Odin tornou-se o soberano de todos os deuses nórdicos, além de
personifi car todo o conhecimento. Isso ele conseguiu negociando o seu olho
direito com um gigante chamado Mime em troca do acesso às fontes da
sabedoria. Mais tarde, quando Mime foi decapitado em batalha, Odin ungiu
a cabeça de Mime com ervas e a revivifi cou, mantendo a cabeça decapitada
ao seu lado como um inestimável conselheiro.
Mesmo tendo gerado muitos fi lhos, foi a consumação de seu casamento
com a deusa Frigg que gerou a maior diversidade de deuses, do majestoso
e eloqüente Bragi (deus da poesia) até a mais poderosa dentre todas as
divindades nórdicas: Tor, o deus do trovão.
Tor era destemido nas batalhas, tendo à sua disposição grande variedade
de armamentos e um martelo extremamente poderoso chamado Mjolnir.
Quando lançado, o Mjolnir sempre retornava a Tor, mas não sem antes
encher os céus nórdicos com raios.
Quando Thrym, rei de todos os gigantes da terra distante de Jotunheim,
ouviu sobre o martelo, desejou tê-lo para si. Mas a vingança por ter
roubado o martelo de Tor seria rápida e inclemente. Thrym pediu uma
compensação para devolver o martelo, e em troca queria a deusa Freyja,
mãe de Tor.
Tor fi cou colérico, mas Heimdall, guardião da Ponte do arco-íris e
mantenedor dos sentidos mais aguçados de todos os deuses, tinha um
plano: Tor deveria ir a Jotunheim, terra de gigantes, usando trajes femininos
e convencer Thrym de que era Freyja. Em princípio Tor recusou-se, mas
posteriormente vestiu-se com um dos mantos de Freyja e foi a Jotunheim.
Quando Thrym, exultante, apresentou o martelo para negociar com quem
ele pensava ser Freyja, Tor o movimentou tão poderosamente que o grande
gigante foi morto em um só golpe. Nunca mais alguém teve tamanha
ousadia com o poderoso Tor.
Apesar de ser inclemente na batalha, Tor era um guerreiro protetor,
tendo herdado sua condição de guerreiro de Tyr - o deus mais heróico e
benevolente dentre todas as divindades nórdicas. A cólera de Tor era terrível
e absoluta, mas ela geralmente se voltava contra aqueles que ameaçassem
a humanidade ou os deuses.
Contudo, Balder era, para Odin, um fi lho totalmente diferente de Tor.
Equilibrado e gentil, Balder era considerado o deus da beleza e da
sabedoria. Mas ele era assolado por pesadelos e temores de morte em
tal intensidade que sua mãe, a deusa Frigg, pediu a todos os seres e a
todas as criaturas vivas da terra que prometessem que nunca lhe fariam
nenhum mal. Mas Frigg esqueceu de pedir ao visco, plantas aparentemente
insignifi cantes, e essa foi a desgraça de Balder.
Conforme a história se desenrolava, o deus Loki construiu uma seta de visco
e armou uma tramóia para que o próprio irmão de Balder (Hod, o deus cego
da guerra) o matasse. Por isso Loki foi preso sob uma serpente gigante,
que fazia gotejar veneno ácido no seu rosto. A dor era tão intensa que Loki
se contorcia tanto que fazia a terra tremer, criando assim os terremotos.
Nesse ínterim, Frigg pediu a Hel, fi lha de Loki e deusa do mundo inferior,
que restaurasse a vida de Balder. Hel disse que, primeiro, todos os seres e
criaturas da terra teriam de derramar lágrimas pela sua morte, do mesmo
modo que Frigg havia pedido que eles o protegessem.
Isso era certamente possível. Balder era um deus muito estimado - a deusa
do inverno, Skadi, foi ludibriada e levada a realizar uma união infeliz com
outro deus enquanto tentava se unir a Balder.
Apesar de Balder ser muito querido, a declaração de Hel nunca chegou a se
concretizar. Balder tivera um fi lho, Forseti, o deus da justiça. Das paredes
ricamente decoradas do seu castelo de ouro e prata, Forseti resolvia todas
as disputas e continuava a manter viva a lenda do seu amado pai, Balder.
Os deuses nórdicos estavam predestinados a ser destruídos no dia
de Ragnarok, quando entrassem em combate contra seus inimigos, os
gigantes.

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